Hoje, 06 de dezembro de 2012,
completam-se 10 anos do pior dia da minha vida até agora e que, com certeza,
mudou também minha maneira de ser e de viver.
Naquele dezembro de 2002, eu
tinha tudo pra comemorar. Aquele foi o ano perfeito para mim. Comemorei muito
porque, diferentemente das outras vezes, desde que entrei no colégio Renovação,
era a primeira vez que eu passava de ano direto, sem nenhuma recuperação, nem
mesmo nas matérias que sempre odiei, como Q
uímica, Física
e Matemática. Melhor ainda: passei direto justamente no terceiro colegial, ou
seja, terminava o ensino médio sem me preocupar em estudar mais, como sempre
fiz nos anos anteriores.
Terminados os estudos, eu só
queria comemorar e sentir, pela primeira vez desde a quinta série, o gostinho
de poder jogar bola, andar de bicicleta, ir para a balada... fazer tudo o que
não faria se estivesse de recuperação.
Como parte de minhas
“comemorações”, fui ao Estância Alto da Serra, no dia 03 de dezembro de 2012,
em uma festa de confraternização da empresa na qual meu tio trabalhava. Comi,
bebi e dancei, tentando aproveitar ao máximo aquele momento. No entanto,
comecei a sentir uma forte dor nas costas, acompanhada de uma falta de ar que
nunca antes havia sentido. Como todo moleque, não dei muita bola para aqueles
problemas, e tentei continuar aproveitando a festa, mas tive que parar, pois a
dor estava mais forte. Saí da festa e voltei para a casa da minha prima Livia,
onde passei uns dias. Antes de dormir e ainda com dor, resolvi tomar um
anti-inflamatório.
No dia seguinte, já recuperado da
dor e da falta de ar, voltei para casa e fui até a quadra do Renovação, pois as
aulas de futebol ainda não haviam acabado. Corri normalmente, sem sentir
absolutamente nada, o que me fez ter a certeza de que aquela dor foi apenas
momentânea e que o remédio havia dado conta dela.
Na quinta-feira, dia 05, acordei
tarde e fui me encontrar com os amigos do prédio para fazer o que todo moleque
fazia: jogar bola e falar sobre as meninas. Resolvemos andar um pouco e, de
novo, a dor forte e a falta de ar reaparecera, desta vez não nas costas, mas
perto do peito, do lado esquerdo. Só que dessa vez ela veio arrasadora e mal me
deixava falar ou andar. Dava poucos passos e me abaixava, dobrando o corpo para
frente pra tentar amenizar um pouco a dor. O dia estava acabando e era hora de
ir para casa. Eu e a dor. Quando deitado, ela parecia menos latente e por isso,
resolvi dormir mais cedo naquele dia.
Sexta feira, dia 06 de dezembro.
Acordei ainda com um pouco de dor, mas mesmo assim desci novamente para
encontrar os amigos. Dessa vez não consegui jogar bola e mal falava direito.
Cada minuto que passava, a dor aumentava. Não sei como dimensiona-la, mas era
uma dor única, nunca antes sentida. Sem me conter, procurei minha mãe para que
eu pudesse ir ao hospital ver que dor estranha era essa.
Cheguei ao hospital e o médico,
após me examinar, logo solicitou um Raio – X do tórax. Nunca havia feito um
exame desses antes, mas sabia que, sempre depois de fazer um Raio – X, o
radiologista me entregava o exame. Porém, naquela oportunidade, estranhamente o
radiologista levou o exame direto às mãos do médico, com uma cara muito
assustada, como a de quem tinha visto uma assombração. O médico olhou o exame e
disse: “Você tem um Pneumotórax Espontâneo. Vou te encaminhar para o cirurgião
torácico.” Sempre tive medo de cirurgia e naquela hora, fiquei com mais medo
ainda, pois fui pego de surpresa. Esperei no pronto socorro enquanto minha mãe
providenciava um quarto no hospital. Mal sabia eu o que vinha pela frente.
Aquele quarto passaria a ser minha rotina durante nove dias.
Do pronto socorro, fui direto
para o centro cirúrgico, onde uma médica foi incumbida de colocar um cano entre
minhas costelas. De um lado do cano, estava eu. Do outro, um balde, que, com o
passar dos dias, ia enchendo cada vez mais, ora com um líquido amarelo, ora com
um vermelho. Tudo isso saído do meu pulmão esquerdo.
Com o tempo, fui descobrindo o
que era um “Pneumotórax Espontâneo”. Isso acontece quando a membrana que
envolve o pulmão, conhecido como “Pleura”, sofre uma perfuração, fazendo com
que entre ar onde não deve, podendo até provocar parada cardíaca, devido a
pressão que o tórax sofre. Quem me explicou foi o doutor Gladstone, chefe da
cirurgia torácica do hospital.
Passei nove dias no hospital.
Levantava um pouco da cama para andar pelo corredor e depois deitava. Sempre
carregando o dreno comigo. Quase todos os dias tinha que fazer novos exames de
Raio – X para acompanhar a evolução do tratamento, que, conforme o esperado,
vinha dando resultado.
No dia 15 de dezembro tive alta,
mas já sabendo que teria de voltar ao hospital três dias depois, no dia 18,
para fazer um novo exame e ver se o problema voltou, já que, algumas pessoas
que tem um Pneumotórax Espontâneo costumam ter outros depois do primeiro. Caso
aparecessem novas bolhas, seria necessária uma cirurgia mais complexa.
Voltei ao hospital no dia 18 e,
como desgraça pouca é bobagem, descobri que realmente precisaria de uma
cirurgia, pois o pulmão voltara a ficar comprimido, mesmo depois da primeira
drenagem. Caí em prantos e fiquei novamente assustado, mas tinha consciência de
que aquilo seria a única forma de me livrar definitivamente das bolhas... pelo
menos no pulmão esquerdo. Por precaução, o Dr. Gladstone pediu para que eu já
ficasse internado no dia 18 para fazer a cirurgia no dia seguinte.
É chegado o dia 19 de dezembro.
Acordo novamente na cama do hospital, só aguardando a chegada da maca para me
levar ao centro cirúrgico, sensação semelhante a do carrasco chegando à cela
para buscar o condenado, rumo à execução. Na área da espera do centro
cirúrgico, me via aflito, com o entra e sai de gente operada e de médicos
banhados em sangue das cirurgias realizadas. Via também Dr. Gladstone vestindo
seu avental e suas luvas, preparando-se para a minha cirurgia. Entrei na sala
de cirurgia e só me lembro de ver a enfermeira me colocando o soro no braço
direito, enquanto o anestesista preparava a solução que me faria dormir e que
foi injetada em um apêndice do cano do soro.
Acordei já operado, no quarto,
cheio de dor, de esparadrapos nas costas e com um médico japonês que não parava
de mexer no meu novo dreno, colocado durante a operação. Acho que aquele dreno
tinha capacidade para uns dois litros de líquido e desta vez, ele estava cheio
até a boca. Nunca imaginei que tivesse tanto líquido dentro de mim. Vendo que o
dreno não suportava mais uma gota de qualquer coisa, o médico deu um nozinho na
mangueira, tirou o balde da extremidade da mangueira, jogou aquele bande fora
e, logo em seguida acoplou um novo. Acho que aquela foi a pior noite da minha
vida. Dores nas costas, sonda na uretra, novo dreno no pulmão esquerdo e soro
do braço direito. Não sei o que me incomodava mais.
No dia seguinte acordei com
muitas dores. Logo cedo o Dr. Gladstone veio me ver e, usando o estetoscópio,
ouviu que meu pulmão esquerdo simplesmente não funcionava. Logo ele me disse:
“Levanta dessa cama e ande pelo corredor. Só assim seu pulmão voltará a
funcionar”. Nessa hora, ignorei minhas dores e me esforcei para levantar e
tentar não piorar a situação. Depois de caminhar pelo corredor do hospital,
ainda moribundo, em razão da anestesia, meu pulmão esquerdo voltava, ainda que
lentamente, a funcionar.
A comida era um caso a parte. Não
era ruim, por se tratar de uma comida de hospital, mas os horários é que
matavam: café da manhã às 7h30, lanche às 10h, almoço às 12h, café da tarde às
3h e janta às 17h30. Isso mesmo, 17h30. Desde quando isso é hora de jantar? E
foi assim durante 15 dias, somando as duas internações, até o dia 24 de
dezembro, véspera de Natal, quando, finalmente, tive alta.
Esse foi um curto período da
minha vida, mas foi o que mais marcou. Negativamente. Depois desta cirurgia,
fiquei mais triste, mais inseguro, mais frágil. Conquistei muitas coisas boas
nesses 10 anos: um emprego público, um carro, uma faculdade, uma pós-graduação,
alguns amigos muito especiais, uma noiva e companheira para todas as horas.
Porém, infelizmente não consigo ver em tudo isso, um motivo para a volta do meu
sorriso, da minha plena alegria e satisfação com a vida. Muitas vezes penso que
sou um peso morto, alguém que não tem a menor ideia do que está fazendo. Alguém
confuso, que não consegue tomar nenhuma atitude sozinho, sem pedir a opinião de
alguém próximo. Alguém com medo de arriscar e que não consegue planejar o que
vai fazer nem daqui a 10 minutos.
Perdi tudo isso em 06 de dezembro
de 2002 e hoje, 10 anos depois, ainda não consegui descobrir como recuperar...
José Luiz Guerra