Total de visualizações de página

quarta-feira, 5 de dezembro de 2012

Dez anos depois, um outro José Luiz


Hoje, 06 de dezembro de 2012, completam-se 10 anos do pior dia da minha vida até agora e que, com certeza, mudou também minha maneira de ser e de viver.

Naquele dezembro de 2002, eu tinha tudo pra comemorar. Aquele foi o ano perfeito para mim. Comemorei muito porque, diferentemente das outras vezes, desde que entrei no colégio Renovação, era a primeira vez que eu passava de ano direto, sem nenhuma recuperação, nem mesmo nas matérias que sempre odiei, como Química, Física e Matemática. Melhor ainda: passei direto justamente no terceiro colegial, ou seja, terminava o ensino médio sem me preocupar em estudar mais, como sempre fiz nos anos anteriores.

Terminados os estudos, eu só queria comemorar e sentir, pela primeira vez desde a quinta série, o gostinho de poder jogar bola, andar de bicicleta, ir para a balada... fazer tudo o que não faria se estivesse de recuperação.

Como parte de minhas “comemorações”, fui ao Estância Alto da Serra, no dia 03 de dezembro de 2012, em uma festa de confraternização da empresa na qual meu tio trabalhava. Comi, bebi e dancei, tentando aproveitar ao máximo aquele momento. No entanto, comecei a sentir uma forte dor nas costas, acompanhada de uma falta de ar que nunca antes havia sentido. Como todo moleque, não dei muita bola para aqueles problemas, e tentei continuar aproveitando a festa, mas tive que parar, pois a dor estava mais forte. Saí da festa e voltei para a casa da minha prima Livia, onde passei uns dias. Antes de dormir e ainda com dor, resolvi tomar um anti-inflamatório.

No dia seguinte, já recuperado da dor e da falta de ar, voltei para casa e fui até a quadra do Renovação, pois as aulas de futebol ainda não haviam acabado. Corri normalmente, sem sentir absolutamente nada, o que me fez ter a certeza de que aquela dor foi apenas momentânea e que o remédio havia dado conta dela.

Na quinta-feira, dia 05, acordei tarde e fui me encontrar com os amigos do prédio para fazer o que todo moleque fazia: jogar bola e falar sobre as meninas. Resolvemos andar um pouco e, de novo, a dor forte e a falta de ar reaparecera, desta vez não nas costas, mas perto do peito, do lado esquerdo. Só que dessa vez ela veio arrasadora e mal me deixava falar ou andar. Dava poucos passos e me abaixava, dobrando o corpo para frente pra tentar amenizar um pouco a dor. O dia estava acabando e era hora de ir para casa. Eu e a dor. Quando deitado, ela parecia menos latente e por isso, resolvi dormir mais cedo naquele dia.

Sexta feira, dia 06 de dezembro. Acordei ainda com um pouco de dor, mas mesmo assim desci novamente para encontrar os amigos. Dessa vez não consegui jogar bola e mal falava direito. Cada minuto que passava, a dor aumentava. Não sei como dimensiona-la, mas era uma dor única, nunca antes sentida. Sem me conter, procurei minha mãe para que eu pudesse ir ao hospital ver que dor estranha era essa.

Cheguei ao hospital e o médico, após me examinar, logo solicitou um Raio – X do tórax. Nunca havia feito um exame desses antes, mas sabia que, sempre depois de fazer um Raio – X, o radiologista me entregava o exame. Porém, naquela oportunidade, estranhamente o radiologista levou o exame direto às mãos do médico, com uma cara muito assustada, como a de quem tinha visto uma assombração. O médico olhou o exame e disse: “Você tem um Pneumotórax Espontâneo. Vou te encaminhar para o cirurgião torácico.” Sempre tive medo de cirurgia e naquela hora, fiquei com mais medo ainda, pois fui pego de surpresa. Esperei no pronto socorro enquanto minha mãe providenciava um quarto no hospital. Mal sabia eu o que vinha pela frente. Aquele quarto passaria a ser minha rotina durante nove dias.

Do pronto socorro, fui direto para o centro cirúrgico, onde uma médica foi incumbida de colocar um cano entre minhas costelas. De um lado do cano, estava eu. Do outro, um balde, que, com o passar dos dias, ia enchendo cada vez mais, ora com um líquido amarelo, ora com um vermelho. Tudo isso saído do meu pulmão esquerdo.

Com o tempo, fui descobrindo o que era um “Pneumotórax Espontâneo”. Isso acontece quando a membrana que envolve o pulmão, conhecido como “Pleura”, sofre uma perfuração, fazendo com que entre ar onde não deve, podendo até provocar parada cardíaca, devido a pressão que o tórax sofre. Quem me explicou foi o doutor Gladstone, chefe da cirurgia torácica do hospital.

Passei nove dias no hospital. Levantava um pouco da cama para andar pelo corredor e depois deitava. Sempre carregando o dreno comigo. Quase todos os dias tinha que fazer novos exames de Raio – X para acompanhar a evolução do tratamento, que, conforme o esperado, vinha dando resultado.

No dia 15 de dezembro tive alta, mas já sabendo que teria de voltar ao hospital três dias depois, no dia 18, para fazer um novo exame e ver se o problema voltou, já que, algumas pessoas que tem um Pneumotórax Espontâneo costumam ter outros depois do primeiro. Caso aparecessem novas bolhas, seria necessária uma cirurgia mais complexa.

Voltei ao hospital no dia 18 e, como desgraça pouca é bobagem, descobri que realmente precisaria de uma cirurgia, pois o pulmão voltara a ficar comprimido, mesmo depois da primeira drenagem. Caí em prantos e fiquei novamente assustado, mas tinha consciência de que aquilo seria a única forma de me livrar definitivamente das bolhas... pelo menos no pulmão esquerdo. Por precaução, o Dr. Gladstone pediu para que eu já ficasse internado no dia 18 para fazer a cirurgia no dia seguinte.

É chegado o dia 19 de dezembro. Acordo novamente na cama do hospital, só aguardando a chegada da maca para me levar ao centro cirúrgico, sensação semelhante a do carrasco chegando à cela para buscar o condenado, rumo à execução. Na área da espera do centro cirúrgico, me via aflito, com o entra e sai de gente operada e de médicos banhados em sangue das cirurgias realizadas. Via também Dr. Gladstone vestindo seu avental e suas luvas, preparando-se para a minha cirurgia. Entrei na sala de cirurgia e só me lembro de ver a enfermeira me colocando o soro no braço direito, enquanto o anestesista preparava a solução que me faria dormir e que foi injetada em um apêndice do cano do soro.

Acordei já operado, no quarto, cheio de dor, de esparadrapos nas costas e com um médico japonês que não parava de mexer no meu novo dreno, colocado durante a operação. Acho que aquele dreno tinha capacidade para uns dois litros de líquido e desta vez, ele estava cheio até a boca. Nunca imaginei que tivesse tanto líquido dentro de mim. Vendo que o dreno não suportava mais uma gota de qualquer coisa, o médico deu um nozinho na mangueira, tirou o balde da extremidade da mangueira, jogou aquele bande fora e, logo em seguida acoplou um novo. Acho que aquela foi a pior noite da minha vida. Dores nas costas, sonda na uretra, novo dreno no pulmão esquerdo e soro do braço direito. Não sei o que me incomodava mais.

No dia seguinte acordei com muitas dores. Logo cedo o Dr. Gladstone veio me ver e, usando o estetoscópio, ouviu que meu pulmão esquerdo simplesmente não funcionava. Logo ele me disse: “Levanta dessa cama e ande pelo corredor. Só assim seu pulmão voltará a funcionar”. Nessa hora, ignorei minhas dores e me esforcei para levantar e tentar não piorar a situação. Depois de caminhar pelo corredor do hospital, ainda moribundo, em razão da anestesia, meu pulmão esquerdo voltava, ainda que lentamente, a funcionar.

A comida era um caso a parte. Não era ruim, por se tratar de uma comida de hospital, mas os horários é que matavam: café da manhã às 7h30, lanche às 10h, almoço às 12h, café da tarde às 3h e janta às 17h30. Isso mesmo, 17h30. Desde quando isso é hora de jantar? E foi assim durante 15 dias, somando as duas internações, até o dia 24 de dezembro, véspera de Natal, quando, finalmente, tive alta.

Esse foi um curto período da minha vida, mas foi o que mais marcou. Negativamente. Depois desta cirurgia, fiquei mais triste, mais inseguro, mais frágil. Conquistei muitas coisas boas nesses 10 anos: um emprego público, um carro, uma faculdade, uma pós-graduação, alguns amigos muito especiais, uma noiva e companheira para todas as horas. Porém, infelizmente não consigo ver em tudo isso, um motivo para a volta do meu sorriso, da minha plena alegria e satisfação com a vida. Muitas vezes penso que sou um peso morto, alguém que não tem a menor ideia do que está fazendo. Alguém confuso, que não consegue tomar nenhuma atitude sozinho, sem pedir a opinião de alguém próximo. Alguém com medo de arriscar e que não consegue planejar o que vai fazer nem daqui a 10 minutos.

Perdi tudo isso em 06 de dezembro de 2002 e hoje, 10 anos depois, ainda não consegui descobrir como recuperar...

José Luiz Guerra

Nenhum comentário:

Postar um comentário